A Voz da Nossa História Entrevista com a primeira vice-presidente da ABEU, Maria do Carmo Guedes
Em 2017, uma de nossas já tradicionais colunas dará lugar a um espaço especial em nosso site. Para marcar o triunfo que é chegar aos 30 anos da ABEU, colocamos a coluna A Voz do Editor de lado para pôr em evidência toda a trajetória da Associação por meio de entrevistas com A Voz da Nossa História. E para inaugurar esta série de conversas que se prolongarão por todo o ano, chamamos a professora Maria do Carmo Guedes, que compôs a primeira diretoria da ABEU, em 1987, como Vice-Presidente, e fez parte da própria criação da Associação.
À época diretora da EDUC – Editora da PUC-SP, Maria do Carmo conta como, a princípio, editoras de universidades particulares não estavam sendo consideradas para a formação de um projeto associativo, sendo este voltado apenas para editoras de universidades federais. Graduada em Filosofia pela Universidade de São Paulo, com especialização em Psicologia Social e Experimental pela mesma instituição, Maria do Carmo possui ainda doutorado em Ciências Humanas e Psicologia pela PUC de São Paulo. Por ser historiadora da Psicologia, certamente sua memória infalível e a habilidade de resgatar e recordar momentos importantes foi de muita ajuda em nossa conversa.
Abaixo você descobre um pouco sobre os passos iniciais da ABEU, seus primeiros desafios e situações que marcaram a busca pela consolidação do livro universitário.
1. Em 1987, você fez parte da primeira Diretoria da ABEU e, consequentemente, da própria criação da Associação. De onde veio a iniciativa de fundar uma entidade que representasse a produção editorial universitária e defendesse os interesses dessas editoras?
Meu interesse por "ajudar a apressar" a criação da ABEU foi meu entusiasmo ao encontrar um grupo já formado e tão organizado quando, em 1985, assumi a direção da EDUC – Editora da PUC-SP. Aprendi muito no II Seminário das Editoras Universitárias, o primeiro de que participei. Realizado em Salvador, onde havia já um projeto (o PIDL – Programa Interuniversitário de Distribuição de Livro) para distribuição dos livros universitários entre as próprias Universidades. Quer melhor lugar? Ali mesmo onde estão seus principais leitores?
Tentei participar de uma reunião desse grupo logo em 85, mas descobri que era só para os Editores das Federais. E me perguntei: e nós, das estaduais e particulares, vamos formar outro grupo? (Na Ditadura aprendemos bem a necessidade e importância da participação em grupos, sempre.) Entretanto, fui a Brasília e uma professora do MEC que me recebeu de forma muito gentil, mas me disse que o PROEDI era “apenas” uma oportunidade a mais para levar ajuda às universidades federais. Mas foi no Seminário de Salvador (cujo convite chegou logo) que conheci o belo projeto de Ailton Sampaio (da UFBA – Universidade Federal da Bahia). Tanto me entusiasmou esse projeto que, antes de entregar o cargo à nova Reitoria em 88, inauguramos, bem ao lado da biblioteca, uma bonita livraria só de Livros das editoras universitárias. Infelizmente, desmontada pela direção seguinte, "porque não dava lucro". Quanto ao belo espaço, imediatamente virou um espaço para fotocópia, razão pela qual voltei à EDUC na primeira oportunidade, agora na gestão Joel Martins, em 94.
Quanto ao interesse por uma entidade como essa, era de todo mundo que estava naquele meu primeiro SNEU – Seminário Nacional das Editoras Universitárias. Vale lembrar uma prova disso: a surpresa de Darcy Ribeiro na primeira Bienal que a ABEU participou, no Rio de Janeiro, quando a inaugurou. Ele era da gestão Brizolla no governo e interrompeu a "corte" que o acompanhava no "tour" de inauguração para dizer, em frente ao estande que então chamávamos de "A produção das Editoras Universitárias brasileiras": "Não sabia que havia tudo isso!" Pena que depois não voltou para conhecer nossos livros. Pena também que estava tão desprevenida que minha máquina fotográfica não estava à mão...
2) Quais foram os principais desafios, de que você se recorda, para viabilizar a criação da ABEU?
Gosto desta pergunta. Entretanto, posso surpreender você porque não entendo desafios como dificuldades, mas como mais oportunidades para aprender.
A primeira foi a ideia de convidar as editoras universitárias presentes no Seminário de Salvador para virem juntas fazer uma experiência na Bienal de São Paulo, em 86. Primeiro desafio: uma Editora particular em Brasília pedindo ajuda para alugar estande. Acho que foi Antonio Barbosa (do MEC) que apostou conosco na ideia. Deu certo – por isso e porque Ailton Sampaio tinha todos os endereços das editoras. Investimos muito esforço para o pouco tempo que tivemos (junho, julho e um pouco em agosto), mas valeu, principalmente porque os editores que vieram ajudaram muito e, ao longo do evento, um editor de Caxias do Sul aguentou a barra do caixa – pois vendemos até muito bem. Nossa equipe nunca teria dado conta sem ele.
Outro bom desafio ocorreu ainda antes. No mesmo ano do II SNEU, em 85, tivemos uma experiência meio fracassada. Pensei: as editoras são universitárias, por que não levá-las para a principal Sociedade Científica, a SBPC? Seria em agosto, o SNEU foi em maio, e duas coincidências ajudaram: a Secretária Geral da Sociedade, a quem por cargo cabia organizar a Reunião Anual da ABEU, tinha sido minha orientadora, oportunidade que me levou a ajudá-la a dar um caráter mais acadêmico à exposição de livros numa das Reuniões Anuais em São Paulo. Fomos a ela, que nos deu uma boa sala, mas meio longe do movimento dos pesquisadores.
Vale acrescentar: em ambos os desafios, tivemos importantes visitas: na Bienal, o Professor José Mindlin, que nos contou que era o melhor lugar para procurar livros para sua Biblioteca (que podemos hoje consultar, porque foi doada à USP); na da SBPC, alguns reitores trazidos pela Professora Carolina Bori para que vissem o estande. Havia um que nem sabia da importância de “sua” editora.
3. Há alguma história curiosa destes primeiros anos da Associação que você se recorde e queira compartilhar?
Curiosa? Não sei se curiosa, mas inesperadas muitas: por exemplo, uma primeira: a surpresa com o encontro de um SNEU (o de 85) cheio de gente que não era nem professor universitário, um nem mesmo da universidade, dirigindo uma editora universitária. Nunca tinha me ocorrido. Eu mesma, até ter sido convidada para a EDUC, pensava que todos deveriam ser de área de conhecimento “compatível” (Letras, Artes, e o que talvez coubesse nas Humanidades…). Mas aprendi logo que não tinha nada a ver. Quem não conhece as primorosas traduções de Platão pelo Professor da UFPA – Universidade Federal do Pará? Eu certamente conhecia (fiz Filosofia), mas aprendi no II SNEU que o responsável direto pela edição desses livros era o Gráfico da universidade, e que nem dependera de Conselho Editorial para isso. Apenas (como ele disse) por conhecer bem sua universidade. E Salim Miguel (da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina) era um escritor muito conhecido, mas que não dava aula na universidade. No entanto, tinha já uma bela coleção de livros didáticos principalmente nas áreas fora das chamadas “Humanidades”. Venderam muito bem na primeira Bienal. Era lindo ver estudantes e jovens professores encantados com os livros "tão úteis" da UFSC. E a Ceres, diretora da UFF à época, era da Matemática… E até descobri em 86 que três de nós, das editoras universitárias, davam aula em Psicologia…
4. Por fim, o que você espera para o futuro da ABEU?
Muito, mas muito sucesso, sempre. Torço por isso. Aposto nisso.
Teria mais a dizer se tivesse podido fazer um artigo para os 30 anos. Mas não deu tempo, apenas localizei algum material que tinha em casa e, dado o que encontrei, planejei um artigo analisando um pouco da história da ABEU, apenas fontes primárias. Decidi isso porque sou pesquisadora em História da Psicologia e porque encontrei preciosidades, como os Anais do III SNEU, em Campinas, quando a ideia da ABEU se concretizou, para o que a contribuição de Jaime Pinsky (então Editor também da UNICAMP) foi fundamental. Belamente documentado, os Anais mostram, entre outros, o enfrentamento que assumimos na ocasião – desafios, você diria, como, por exemplo, a oposição dos editores então chamados privados. (Depois passei a chamar as nossas de editoras institucionais, pois ficou claro que não éramos “apenas subsidiadas”, mas sabíamos vender nossos livros). Quem da área não se lembra das brigas de Segio Lacerda ,da Nova Fronteira, com a Editora da UnB? Cheguei mais tarde a participar de um grupo da CBL (Câmara Brasileira do Livro), o GEU (Grupo de Editores Universitários), um belo apoio à ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos. Quando perguntei ao Cortez por que editores de universidade não tinham assento no GEU, ele levou o problema para a diretoria, que decidiu aceitar – mas só um. E me convidaram – não só porque era de São Paulo (ficaria mais fácil), mas acho que principalmente porque a PUC-SP era conhecida como a maior copiadora de livros e a ABDR, diferente da congênere carioca, apostava na educação da universidade para os direitos de autores, além dos direitos dos editores. Mais uma experiência e muito prazerosa.
Como vê, pra quem gosta de aprender, devo muito à ABEU.