Voz do Autor Entrevista com Maria da Gloria Bonelli, autora da EdUFSCar
Como as profissões são moldadas pelas cidades? Como se dão as relações de raça e gênero em diferentes campos de atuação, como a Medicina ou nas polícias? Estes são alguns questionamentos trazidos pela pesquisa da professora Maria da Gloria Bonelli, entrevistada desta semana na coluna A Voz do Autor. Seu grupo de pesquisa ‘Sociologia das Profissões’ e seu último livro “Profissões republicanas”, publicado pela Editora UFSCar, tratam justamente de temas relacionados ao universo do profissionalismo no Brasil. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Bonelli possui também mestrado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e doutorado na mesma área pela Unicamp. Na conversa, a autora fala sobre sua obra e como é realizada a pesquisa neste campo.
1. Profa. Maria da Gloria, seu mais recente livro, "Profissões republicanas: experiências brasileiras no profissionalismo", serve como uma comemoração para os 20 anos do grupo de pesquisa Sociologia das Profissões, da Universidade Federal de São Carlos. O que representa para você a longevidade deste grupo? Que benefícios este tempo de vida traz em termos de pesquisa, coleta de dados e debates?
Os 20 anos de vida do grupo representam um acúmulo de conhecimentos e novas informações sobre as profissões pesquisadas, em especial a magistratura, a advocacia, e demais profissões jurídicas. Representa também a formação de gerações mais recentes de pesquisadores e jovens docentes que investigaram o STF, a Polícia Federal, as diferenças de gênero, sexualidade e étnico-racial nas profissões jurídicas e no jornalismo, os processos de profissionalização contemporâneos, como o do Jornalismo, da Fonoaudiologia, da conciliação e mediação judicial. Outra área de estudo tem sido sobre os médicos, com a interiorização do profissionalismo, o Programa Mais Médicos e a reconstrução de identidades profissionais, além da cultura terapêutica e dos conselhos afetivos por meio de manuais de autoajuda, entre outros temas. Foram formados 21 bacharéis, 16 mestres e 8 doutores no grupo Sociologia das Profissões, como contribuição qualificada para a prática da docência e da pesquisa.
2. Ainda falando sobre o livro, ele mostra o desenvolvimento de diversos campos profissionais no Brasil, como a Medicina, o Jornalismo e o Direito. Que tipos de reflexos a evolução dessas profissões traz para as cidades brasileiras? Como a vida nos centros urbanos é afetada pelas ocupações dos seus cidadãos?
Os estudos mostram as contribuições dos profissionais não só nos centros urbanos, mas também nas cidades do interior, indicando como o conhecimento qualificado é central para a sociedade contemporânea, na qual a vida e a sobrevivência tornaram-se tão complexas que dependem em muito do saber especializado para que os cidadãos e as pessoas que sempre são leigas em algum assunto, possam embasar suas escolhas e decisões a partir do apoio dos experts. O problema surge quando os especialistas não se limitam a apoiar o processo decisório, mas passam a decidir no lugar de seus clientes. Esse dilema ocorre tanto nos centros urbanos quanto nas cidades do interior. O conhecimento profissional ajuda a diminuir os riscos das decisões que precisam ser tomadas sobre a saúde, a defesa jurídica de um cliente, a construção de um prédio, o acompanhamento terapêutico de situações que geram muito estresse e elevados custos emocionais. Em sociedades complexas como as nossas, os aconselhamentos que eram buscados nos amigos, nos parentes mais velhos e mais experientes, hoje é muito frequente de ser procurado em um profissional, até mesmo recorrendo à leitura de manuais de autoajuda escritos por eles.
3. Por fim, o título trata ainda de questões de gênero entre delegados da Polícia Federal e da representação de negros em profissões tradicionais, como a advocacia. Há uma maior promoção da igualdade nas profissões ou esta ainda é uma longa evolução? Que soluções práticas podem ser vislumbradas para garantir ambientes de trabalho mais diversos?
Hoje há um crescimento na participação de mulheres nas profissões, e em menor proporção de profissionais pardos e pretos. Isso, entretanto, não representa igualdade, porque tal ingresso vem sendo acompanhado tanto da produção de guetos de gênero, como as atividades dos cuidados fundamentalmente feminina, como da estratificação inter e intraprofissional. Nesses casos os grupos de profissionais “diferentes” ocupam posições de menor prestígio e menor remuneração, muitas vezes em atividades da profissão que se tornaram rotineiras e repetitivas, sem maior demanda de uma atuação que requer o diagnóstico de um expert. As oportunidades de progressão na carreira são bem maiores para os homens, heterossexuais, brancos, que para os profissionais portadores do que chamamos as marcas sociais da diferença (mulheres, homoafetivos, negros, entre outros).